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Resenha PósCOM
GALTUNG; J.; RUGE, M. A estrutura do noticiário estrangeiro. A apresentação das crises do Congo, Cuba e Chipre em quatro jornais estrangeiros. In: Traquina, Nelson (org), Jornalismo: Questões, Teorias e “Estórias”, Lisboa, Vega, 1993.
Listar doze fatores considerados influentes dentro do fluxo de notícias do estrangeiro, ou seja, as condições que os acontecimentos precisam satisfazer para tornarem-se notícias é a tese desenvolvida pelo artigo A estrutura do noticiário estrangeiro. A apresentação das crises do Congo, Cuba e Chipre em quatro jornais estrangeiros, uma escrita de Johan Galtung e Mari Halboe Ruge, estudiosos dedicados à cultura da paz. Publicado em 1965 na Journal of International Peace Research, fundanda por Galtung em 1964, o artigo é dividido em três partes, traduzido mais tarde no livro: Jornalismo: Questões, Teorias e “Estórias. O artigo, porém, contempla apenas duas partes do texto, alegando não haver espaço para a terceira.
Anos antes, em 1922 Lippman (2010, p. 290) refletia sobre a existência de critérios para que determinado fato pudesse se tornar notícia: “Antes que uma série de eventos torne-se notícia eles têm que se fazer noticiáveis num ato mais ou menos aberto.” Demonstrando assim que os fatos não são tão simples nem tão óbvios, mas objeto de escolha e opinião, pois estes não chegam ao público em seu formato bruto, mas passam por tratamentos e por isso as notícias não podem ser consideradas a expressão da verdade, mas o desejo de verdade, pois segundo Lippman (2010, p. 304) “A notícia sinaliza um evento, enquanto a verdade traz luz aos fatos escondidos.”
A definição de Lippman alia-se mais tarde ao que será denominado por Galtung; Ruge (1993) como cadeia noticiosa, pela qual perpassam a percepção e imagem pessoal e dos media durante os momentos de seleção e distorção. Interessando-se pelo período de construção da notícia, os autores afirmam ainda que a escolha dos acontecimentos é determinada culturalmente. Porém, nem tudo pode ser registrado, iniciando-se a seleção. São elencados doze fatores que discutem o que facilita e o que impede a percepção. O primeiro é a frequência, estabelecida de acordo o meio noticioso, pois se refere ao espaço de tempo para que se torne significativa.
A amplitude, denominada de threshold (limiar), volta-se à distorção, contemplando a intensidade absoluta e o aumento da intensidade, pois quanto mais é inserida dramaticidade à notícia, maior será seu alcance e maior será a chance de ser relatada como ceteris paribus (constância). O que mais tarde Traquina (2008) vem chamar de amplificação, como um valor-notícia de construção, que segue a lógica de, quanto mais amplificado o acontecimento, mais chance terá de ser notado.
A inequivocidade, definida como a presença da precisão para uma interpretação clara do acontecimento, é vista como primordial para que o acontecimento seja mais notado, posteriormente denominada por Traquina (2008) como simplificação. A significância vem exigir a proximidade cultural e a relevância para que o acontecimento seja notado ou tenha significado para o expectador.
A condição de consonância como criação mental cria a expectativa para uma maior facilidade na recepção, abarcando a predictabilidade e a exigência. A imprevisibilidade modifica as ideias previstas na quarta e quinta teses, pois concebe que é o inesperado que atrai a atenção de alguém e por isso tem mais chance de ser incluído como notícia, contemplando ainda a impredictabilidade e a escassez.
O fator da continuidade estabelece que quando algo é definido notícia, continuará durante algum tempo como tal. A composição é fundamental para que se estabeleça um todo equilibrado de notícias, formado por unidades múltiplas, desde o entretenimento às notícias do estrangeiro.
Quatro condições são listadas como fatores culturais e influenciam durante o processo de transformação do acontecimento para a notícia, a saber: referência a nações de elite e referência a pessoas de elite, já que nota-se uma centralidade das notícias nestas perspectivas, sendo a elite utilizada como referência para todo o povo. Referência a pessoas, ou a ideia de personificação explorada a partir da necessidade de significado e identificação trazidos pela sociedade, pois no formato de apresentação dos acontecimentos, há um sujeito responsável por ações e consequência destas.
A referência a algo negativo nos canais noticiosos é compreendida pelos autores por satisfazerem o critério de frequência e serem consensuais e inequívocas. Presente ainda hoje no jornalismo e principalmente no que se refere ao sensacionalismo, as notícias negativas levam menos tempo para serem produzidas, enquanto as positivas levariam mais tempo e abarcariam mais custos para o veículo de comunicação. O que se prevê no texto de Galtung e Ruge (1993) como consenso em 1965, hoje carrega outra interpretação, pois percebe-se o consenso no que se refere à notabilidade dos fatos, já que o negativo também pode ser compreendido como inesperado.
No processo de seleção quanto mais houver satisfação aos critérios elencados, mais possibilidade haverá de que o fato seja noticiável, ou seja, a busca pela dramaticidade do acontecimento, a distorção. Sendo assim, nos dois processos há a repercussão. Há de se pensar então como estes fatores se relacionam até a construção do produto final.
A crítica sobre a crítica de Galtung e Ruge
A partir das proposições elaboradas por Galtung e Ruge, nota-se uma atualidade apesar de ser uma escrita de quase 50 anos. É necessário ressaltar que a comparação trouxe apenas exemplos com impressos e radiofônicos, mas no contexto da época já havia a presença da TV e de revistas. Poder-se-ia aplicar esta abordagem aos diversos veículos de comunicação existentes na atualidade, levando-se em consideração que os critérios elaborados, denominados na época de fatores, são utilizados ainda hoje como referência, tanto nos veículos tradicionais (TV, Rádio, Jornais impressos e revistas), como naqueles que se constituíram na contemporaneidade, a exemplo da internet.
O estudo realizado pelos autores vem a ser o campo de estudo de Nelson Traquina, pautando-se nos conhecimentos de Galtung e Ruge e nas definições teóricas de White (1993), que estabelece o conceito de gatekeepers (portões), entendido como o momento da seleção, materializada por meio de critérios de valor/notícia, definidos por Wolf (2008) como presentes em todo o processo de produção da notícia.
Este se preocupa com o processo de construção do discurso da notícia, havendo ai a presença da hipótese do newsmaking também analisada por Wolf (2008). A hipótese do newsmaking afirma que a transformação do acontecimento em notícia é o momento em que este pode ser compreendido de forma discursiva, já que há a presença do evenemencial, ou seja, a verossimilhança dos fatos em maior ou menor escala.
Mais
sobre os autores:
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Matemático,
sociólogo, cineasta político e fundador da disciplina de estudos sobre a paz,
Johan Galtung nasceu em 1930 em Olso, na Noruega. Em 1959 fundou em sua cidade
natal o Instituto de Pesquisas da Paz juntamente com Mari Holmboe Ruge,
cientista política nascida em 1934, também na Noruega. Em 1964 Galtung fundou
também a Journal of International Peace
Research, onde foi publicado o artigo (1965). Desde 1957 Galtung mediou mais de 100 conflitos armados entre estados, religiões e civilizações. Como professor, atuou em diversas universidades de várias partes do mundo nas pesquisas sobre a paz. Além desta temática, Galtung realizou contribuições nas áreas da teoria das civilizações, teoria do discurso, sociologia, direitos humanos e metodologias das ciências sociais dentre outras. Escreveu e foi co-autor de mais de 1.600 artigos e mais de 160 livros relacionados à paz e outras temáticas.
Desde 1955 Ruge é membro da seção norueguesa de Liga Internacional das Mulheres pela Paz e Liberdade. Atualmente Ruge e Galtung continuam comprometidos com a paz, sendo que este último já recebeu o Prêmio Right Livelihood, conhecido como o prêmio Nobel Alternativo da Paz e foi condecorado com diversos doutoramentos honoris causa e também como professor catedrático.
REFERÊNCIAS
LIPPMAN,
Walter. Opinião pública. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2010.TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: Volume II. 3ª ed. São Paulo: Insular, 2005.
WHITE, David Manning. O gatekeeper: uma análise de caso na seleção de notícias. In: Traquina, Nelson (org), Jornalismo: Questões, Teorias e “Estórias”, Lisboa, Vega, 1993.
WOLF, Mauro. Teorias das comunicações de massa. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
A Peace development Environment Network Disponível em: <http://www.transcend.org/galtung/> Acesso em: 27 out. 2013.
Feminist Institute of the Heinrich Boell Foundation. Disponível em: < http://www.glow-boell.de/en/rubrik_2/813_1865.htm> Acesso em: 27 out. 2013.
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[1] Graduada em Letras
Português/Inglês e em Comunicação Social – Rádio/TV pela Universidade do Estado
da Bahia – UNEB; Especialista em Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa e
Literaturas pelo Instituto Brasileiro de Pós-graduação e Extensão – IBPEX;
Especialista em Gestão Escolar pela Escola de Gestores da Universidade Federal
da Bahia – UFBA. E-mail: juborges17@hotmail.com
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