domingo, 24 de novembro de 2013

Críticas e perspectivas epistemológicas sobre o campo jornalístico

Lorena Andrade[1]
lorena.pandrade@gmail.com

Resenha PósCOM
SILVA, Gislene.  De que campo do jornalismo estamos falando? MATRIZzes (USP), v. 1, 2009. p. 197-212. Disponível em http://www.matrizes.usp.br/index.php/matrizes/article/view/117


Ao suscitar um debate sobre o campo jornalístico e suas questões epistemológicas, Gislene Silva apresenta uma série de problemáticas que perpassam os estudos do Jornalismo no Brasil. O artigo “De que campo estamos falando?” se propõe a elencar as lacunas existentes nos estudos epistemológicos e quais as mudanças necessárias para uma consolidação do campo jornalístico enquanto ciência.




Silva entende que a ausência de um campo jornalístico estruturado é consequência dos tipos de estudos realizados no país até então, que não enfatizam as questões epistemológicas. Segundo ela, é necessário não somente tornar o Jornalismo uma área de estudos melhor fundamentada como também é preciso disciplinarizá-lo.

Nesse sentido, a autora apresenta o que considera ser uma das principais deficiências dos estudos do Jornalismo no Brasil – a ênfase nos estudos da Teoria da Notícia em detrimento dos da Teoria do Jornalismo. Ela critica que as análises atuais consideram como ponto de partida as práticas profissionais, ressaltando os produtos, as rotinas e as características das notícias e esquecem do jornalismo como um todo, negligenciando as análises do campo.

Para uma melhor compreensão do campo jornalístico, Silva ressalta a influência das questões científicas e políticas. Essas últimas analisadas por Bourdieu[2]. Entendendo o campo jornalístico como um “microcosmo” influenciado pelas forças políticas e econômicas – tratadas como questões de mercado por Bourdieu, a autora analisa que não é possível desvincular esses aspectos dos estudos acadêmicos, científicos ou epistemológicos, mas que é necessário evoluir para uma análise mais aprofundada a respeito dos limites da própria ciência jornalística.

Embora admita que a utilização da sociologia da ciência não contempla completamente os estudos sobre o jornalismo, Silva entende que a ideia do espaço social estruturado como um campo de força se aplica ao campo jornalístico enquanto área de influência para os demais campos.

A diferenciação entre os diversos campos seria o primeiro passo para essa evolução, uma vez que o próprio título do artigo já indicia a necessidade de explicitar sobre que campo estamos falando e quais os limites dele.  Nesse caso, destaca-se o campo epistemológico, entendido aqui como fundamental para o avanço dos estudos do Jornalismo e para uma possível constituição em campo científico.

Essa constituição só ocorreria no momento em que os estudiosos parassem de compreender o estudo do Jornalismo como uma área de análise da função jornalística ou, como ela apresenta, não restringir o jornalismo à prática social da profissão. O Jornalismo, segundo ela, precisa ser compreendido pelo todo, em sua integralidade, não somente através da compreensão das rotinas produtivas, da função social do jornalista ou das características pertinentes a ele.

Ao abordar essas questões, ela ressalta o que considera um defeito dos estudos realizados até então: ou concentram-se nos meios, abordando os suportes utilizados e, principalmente, as novas tecnologias, ou trabalham a perspectiva da tradição. Os primeiros, restringiriam a análise do Jornalismo de acordo com o suporte, entendendo que as mudanças do campo se dão através dos recursos técnicos utilizados. Já os segundos, seriam aqueles que “ainda” se detém à análise das características do Jornalismo enquanto profissão, como parcialidade, objetividade e rotinas produtivas.

Esses estudos, segundo ela, fragmentam o campo jornalístico e não contemplam o que seria o mais importante para o avanço científico: um olhar mais criterioso a respeito dos conceitos do campo e a fuga das análises que se restringem à prática profissional. O objetivo dos pesquisadores em Jornalismo deveria se concentrar na constituição do campo, na análise da integralidade do Jornalismo e na Teoria do Jornalismo em si.


Para abrir o Jornalismo

Apesar das muitas críticas apresentadas pela autora, o artigo traz apenas algumas considerações a respeito do que se pode fazer para avançar nos estudos epistemológicos do Jornalismo. Embora ela sugira algumas mudanças, pouco se fala como elas seriam aplicadas de fato e quais as etapas a serem vencidas para alcançar o objetivo de disciplinarizar a Teoria do Jornalismo.


Nesse sentido, Silva afirma que é necessário provocar um “amolecimento” das categorias do Jornalismo, que, necessariamente, precisaria contemplar outras formas de Jornalismo, menos consideradas nos estudos atuais. Esse “amolecimento” seria um meio para compreender as nuances epistemológicas presentes no Jornalismo atual, tornando possível estudos mais completos nessa área.



Ela afirma que, diferente do campo comunicacional, o campo jornalístico ainda precisa se abrir para novas conceituações. Os estudos a respeito da Teoria do Jornalismo, por exemplo, deveriam ser contextualizados às Teorias da Comunicação e uma nova organização deveria ser proposta aos estudos epistemológicos.


Silva afirma ainda que a questão da categorização dos estudos no campo jornalístico também tem se constituído como problema de pesquisa. Pela mistura de critérios utilizados na categorização das pesquisas de Jornalismo no Brasil, torna-se tarefa árdua conhecer os estágios de pesquisa sobre um determinado assunto no campo. Além disso, os avanços nas pesquisas somente serão possíveis no momento em que fugirmos de uma análise baseada no ofício de jornalista para a do ofício do pesquisador, operando o que ela denomina “corte epistemológico”.


A autora sugere que esse corte epistemológico busque a integralidade do Jornalismo, através de um estudo mais centrado na pesquisa que no ofício. Porém, não apresenta quais os meios para compreender o Jornalismo como ciência sem passar pela prática jornalística.



Segundo ela, esse “corte epistemológico” que concentraria as atenções dos pesquisadores na fundamentação da Teoria do Jornalismo seria o primeiro passo para a constituição do Jornalismo enquanto campo científico consolidado e, posteriormente, permitiria uma “segunda ruptura”, a que voltaria suas atenções à prática jornalística.



Sobre a autora
Gislene Silva é doutora em Ciências Sociais - Antropologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo e graduada em Comunicação/Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1984). Ela tem se dedicado aos estudos dos pressupostos teóricos, princípios filosóficos, condicionantes e desdobramentos do jornalismo desde a modernidade. Atualmente, seu projeto de pesquisa está relacionado à dimensão simbólico-mítica da mídia noticiosa, enfocando o fenômeno jornalístico a partir de estudos do imaginário.




[1] Mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia – UFBA.
[2] Bourdieu, P. Sobre a televisão. Trad. Maria Lucia Machado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1997, p.57.

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