Lia Seixas
Recentemente, discutiu-se fortemente no grupo de professores de jornalismo (https://www.facebook.com/groups/4877330137/) sobre o Mídia Ninja (https://www.facebook.com/midiaNINJA), coletivo que diz ter cerca de 2mil colaboradores no Brasil, e que ficou bastante conhecido quando dois membros foram presos durante as manifestções no Rio de Janeiro. Com esta discussão, vieram algumas questões como a do valor do "ao vivo", da edição, do posicionamento dos "ninja" frente aos acontecimentos. Para nós, jornalismo é selecionar e hierarquizar, o que vai frontalmente de encontro ao valor do "ao vivo".
Para selecionar e hierarquizar, o jornalista acaba lançando mão dos chamados "valores-notícia" e de "critérios de noticiabilidade". Valor-notícia e critério de noticiabilidade são categorias pouco estudadas no Brasil. Uma breve pesquisa no sistema acadêmico do Google, nos mostra o artigo de Gislene Silva ("Para pensar critérios de noticiabilidade") em primeiro lugar de citações. Esta é umas das únicas contribuições aos estudos porque sistematizou autores e trouxe com força uma diferença importante entre valor notícia e critério de noticiabilidade, já apontada por Mauro Wolf no seu livro "Teorias da Comunicação de Massa", mas não bem demarcada. O artigo de Gislene Silva tem 49 citações, ao passo que o segundo (GIACOMELLI, 2008) tem apenas 9 citações. O artigo do professor Leonel Aguiar, hoje coordenador do GP de Teorias de Jornalismo na Intercom (que tem o maior congresso nacional em quantidade de participantes), também tem 2 citações no Scholar do Google (em 11 de setembro de 2013), juntamente com outros autores brasileiros e portugueses. O primeiro artigo citado na Biblioteca Online de Ciências da Comunicação (BOCC) é o terceiro do Acadêmico do Google (no dia 30 de agosto de 2013).
Na BOCC, onde muitos colegas brasileiros escrevem e onde se encontram artigos de pesquisadores brasileiros em jornalismo, só aparecem artigos antigos sobe critérios de noticiabilidade (como o de João Canavilhas, atualmente dedicado ao estudo de dispositivos móveis na UBI, em Portugal) ou artigos que trabalharam mais especificamente com uma mídia (televisão, rádio), um critério (proximidade, por exemplo) e tentativas de criar uma teoria do jornalismo. Nenhum artigo brasileiro se tornou referência neste assunto. Quando se pesquisa no Google “critérios de noticiabilidade” + “gislene silva” com data depois de 2008, quando o artigo “Para pensar critérios de noticiabilidade” foi publicado na revista Estudos em Jornalismo e Mídia da UFSC, aparecem apenas artigos com análises de produtos, uma escolha frequente nos estudos de jornalismo no Brasil que, embora permita o aprofundamento - como nos estudos de caso - não tem dado, infelizmente, frutos conceituais.
No Brasil, o estudo da noticiabilidade tem ocorrido através do conceito de acontecimento. Em 2010, alguns colegas referência em estudos de jornalismo criaram o projeto de pesquisa “Tecer: jornalismo e acontecimento” com quatro programas de pós-graduação (UNISINOS, UFMG, UFRGS e UFSC) no âmbito de cooperação acadêmica da CAPES (PROCAD). Este projeto deu origem a três livros organizados pelos professores coordenadores da pesquisa: Christa Berger, Breatriz Marocco, Virgínia Fonseca, Ronaldo Henn (UNISINOS), Márcia Benetti (UFRGS), Eduardo Medistch (UFSC), Bruno Leal, Elton Antunes e Paulo Vaz (UFMG). Este recente trabalho, que procurou abordar o conceito de acontecimento da perspectiva multidisciplinar, pretendeu constituir uma epistemologia do acontecimento jornalístico, como afirmado na apresentação do terceiro volume. O adjetivo jornalístico para o conceito de acontecimento significa, ainda hoje, acontecimento noticiável.
Estudar valor noticia ou critério de noticiabilidade é estudar o que é notícia. Foi o que se fez. Um pequeno trecho do artigo de Virgínia Fonseca no primeiro volume orginado nesta pesquisa é esclarecedor: "[...] Para o jornalismo, um campo da comunicação midiática, acontecimento é o fato digno de registro na forma de notícia" (FONSECA, 2010, p. 173). Essa afirmação se fundamenta no conceito de Adriano Duarte Rodrigues, que se tornou tradicional, juntamente com seu artigo re-publicado no famoso "Questões, teorias e estórias", livro organizado por Nelson Traquina com artigos clássicos das teorias do jornalismo em 1993, portanto, há 20 anos. Os estudos se baseiam nesta concepção de acontecimento.
A partir do momento em que se tem o "jornalístico", se tem noticiabilidade. Embora, nem tudo pareça ser noticiável no jornal, site noticioso ou no programa de TV, uma coisa é certa: os critérios de noticiabilidade estão em todo o processo produtivo, independente da mídia. Conforme defende-se nos estudos de jornalismo, os critérios influenciam desde a pauta à forma de circulação. Os critérios nos parecem ser incorporados por osmose dentro de outros valores, como diz a teoria organizacional. Os critérios nos parecem definir linhas editoriais. Nos parece também, que os critérios dos eventos não são os mesmos dos critérios da organização e da instituição. Temos desde o contexto de cada empresa em particular, até os valores sociais arraigados.
Enfim, por isso consideramos importante estudar os critérios de noticiabilidade. O que o NJOR resolveu fazer a partir do próximo semestre. Esta é uma das categorias imprecisas nos estudos de jornalismo.
Nós iremos postar, periodicamente, nossas descobertas de pesquisa (autores importantes, novos estudos, sistematizações conceituais) e um breve relato analítico das nossas leituras (veja o calendário do grupo). Estamos apenas começando e abertos a dicas e sugestões. Até a próxima.
Referências
BENETTI, M.; FONSECA, V. (orgs.) Jornalismo e acontecimento. Mapeamentos críticos. Florianópolis: Insular, 2010.
GIACOMELLI, L. Critérios de noticiabilidade e o fotojornalismo. Discursos fotográficos, Londrina, v.4, n.5, p.13-36, jul/dez, 2008.
MAROCCO, B.; BERGER, C.; HENN, R. (orgs.) Jornalismo e acontecimento. Diante da morte. Florianópolis: Insular, 2012.
RODRIGUES, A. D. O acontecimento. In: TRAQUNA, N. (org.) Questões, teorias e "estórias". Lisboa: Vega, 1993.
SILVA, G. Para pensar critérios de noticiabilidade. Estudos em Jornalismo e Mídia, Florianópolis, v.2, n.1, 1º smestre de 2005.
WOLF, Mauro. Teorias da comunicação. Lisboa: Editorial Presença, 2001.[Parte III]
Lia, tudo bem? Fico bastante contente em descobrir que um grupo de pesquisadores esteja se formando para estudar as especificidades dos critérios de noticiabilidade. Eu defendi, em 2010, minha dissertação intitulada "Critérios de noticiabilidade: uma releitura frente à nova relação espaço-temporal da sociedade em rede" (FAMECOS/PUCRS) e concluo este ano minha tese onde estudo "Os critérios de noticiabilidade na referencialidade da rede". No que eu puder contribuir, conte comigo! Um abraço,
ResponderExcluirGustavo Buss
Aqui está o link da minha dissertação: http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2503
ResponderExcluirCaro Guss, obrigada! Eu vi sua dissertação, mas não posso dizer que li. Vou ler. Que bom saber que continua estudando os critérios. Sim, contamos, sim. Nos falamos. um abraço, lia
ResponderExcluirObrigado, Lia! Mesmo que virtualmente, prazer em conversar contigo! Meu email: docbuss@gmail.com
ResponderExcluirObrigada por seu email. Até mais.
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